Filósofos em diálogo com Paulo de Tarso

Filósofos em diálogo com Paulo de Tarso

Uma reflexão fecunda sobre a natureza da identidade aberta desde os tempos messiânicos. Há uns dez anos os filósofos Alain Badiou, Giorgio Agamben e Slavoj Zizek fizeram seus questionamentos em confronto com os escritos de Paulo. A reportagem é de Élodie Maurot e publicada pelo jornal La Croix, 28-06-2008.

Paulo não é propriedade exclusiva dos teólogos. Está a demonstrá-lo o renovado interesse de numerosos filósofos pelos seus escritos. Nestes últimos anos, Paulo se tornou um importante interlocutor no debate sobre muitos questionamentos filosóficos: a questão da identidade, a relação com a história, a tensão entre o particular e o universal, o lugar da Lei, o enigma do surgimento do sujeito, o lugar do dom e da gratuidade… E não nos enganemos: são precisamente filósofos, e não teólogos disfarçados que interpelam aqui o apóstolo: Em Saint Paul. La fondation de l’universalisme (1), o filósofo francês Alain Badiou esclarece logo: “Paulo não é para mim um apóstolo ou um santo. Não me interessa a Boa Nova que ele anuncia ou o culto que lhe tem sido dedicado”.
Falta a especificação, pode começar o diálogo, “livremente”, “sem devoção nem repulsão”. E o pensamento de Paulo pode ser reconhecido em sua “contemporaneidade”. Badiou põe em seu confronto os seus questionamentos de hoje. Sua busca de uma “nova figura militante”, que possa superar os ângulos cegos do “universal abstrato do capital”, mas também o beco sem saída das oclusas identidades comunitárias, que são como o seu correlato, e são legitimadas pelo “relativismo cultural e histórico” contemporâneo. O filósofo convoca, então, Paulo para procurar deslindar o seu problema: “Quais são as condições para uma singularidade universal?”.
Ele encontra um eco ao seu questionamento no “gesto inaudito” de Paulo, consistindo em “subtrair a verdade à influência comunitária, quer se trate de um povo, de uma cidade, de um império, de um território ou de uma classe social”. Identifica em Paulo um modo de expressar o universal, em que o universal não é a simples negação da particularidade, mas “o avançar de uma distância com respeito à particularidade sempre subsistente”. Assim, já que toda particularidade é “um conformar-se”, um “conformismo”, trata-se de “sustentar uma não-conformidade com aquilo que sempre nos conforma”, no modo com que Paulo solicitava aos romanos: “Não vos conformeis com o século presente, mas sede transformados pela renovação do vosso pensamento” (Romanos 12, 2).
É também a questão do sujeito que atrai o filósofo italiano Giorgio Agamben em sua leitura da epístola aos Romanos (2), na qual o Apóstolo exorta: “Que aqueles que têm mulher façam como se não tivessem, e aqueles que choram como se não chorassem, e aqueles que se alegram como se não se alegrassem, e aqueles que compram como se não possuíssem, e aqueles que usam do mundo como se não usassem dele plenamente. Porque passa o cenário deste mundo…”.
Estudando a surpreendente estrutura deste texto – centrada na figura “como se não…” -, Agamben abre uma reflexão fecunda sobre a natureza da identidade aberta dos tempos messiânicos. O apelo messiânico, precisa Agamben, não tem nenhum conteúdo específico: não constitui uma identidade. É por isso que ele “pode ser aplicado a qualquer condição; mas, pela mesma razão, ele a revoga e a põe radicalmente em questão no próprio momento em que lhe é aplicado”. A reflexão de Agamben, a partir de Paulo, renova aqui profundamente a questão do sujeito, tornando impossível identificá-lo com suas propriedades e com suas pretensões identitárias.
É, ao invés, a questão da relação com a Lei que interessa ao psicanalista e filósofo esloveno Slavoz Zizek na leitura de são Paulo, que cruza com aquela de Lacan. Em La Marionette et le nain. Le christianisme entre perversion et subversion (3), Slavoj Zizek se interessa pelo paradoxo enunciado por Paulo, segundo o qual “a própria Lei faz nascer o desejo de violar a Lei”. Para Zizek, o gesto de Paulo, e o do cristianismo com ele, é de suspender a “face oculta, obscena, não escrita” da Lei, aquela que, enquanto enuncia a proibição, impele, por assim dizer, à sua transgressão. Com Paulo, o desafio cristão consiste em “desfazer o nó górdio”, “romper o círculo vicioso da Lei e de sua transgressão fundadora” (4).
(1) PUF, 119 p., 2007.
(2) Il tempo que resta. Um commento alla lettera ai Romani. Bollati Bloringhieri, 2000 (Le temps qui reste, Rivages poche, 287 p., 2004, 8,40 Euros).
(3) Seuil, 2006, 238 p.
(4) La fragilità dell’assoluto (ovvero perché vale la pena combattere per le nostre radici cristiane), Transeuropa (Massa), 2007(Fragile absolu. Pourquoi l’héritage chrétien vaut-il d’être défendu?, Flammarion, 2008, 238 p.)

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