Ivan Illich, perguntas ao cristianismo

Ivan Illich, perguntas ao cristianismo

Foi traduzida de Quodlibert uma das últimas entrevistas com Ivan Illich, registrada pela rádio canadense, com o título provocativo (e um pouco excessivo) Perversão do cristianismo (Conversação com David Cayley sobre Evangelho, Igreja e modernidade) que conclui numa atmosfera apocalíptica, mas entretecida de esperança. A reportagem é de Lucetta Scaraffia e publicada pelo jornal italiano Avvenire, 22-07-2008.

O volume compreende uma acurada reconstrução biográfica que oferece informações úteis para reconstruir o complexo percurso intelectual e espiritual do filósofo e pedagogo falecido em 2002, confirmando a idéia de que tenha sido um dos intelectuais mais férteis e inovadores do século vinte. A lucidez e força de seu pensamento crítico sobre a modernidade nasce, de fato, de um percurso de vida intenso e original, a começar por sua origem judaico-croata, suas experiências de vida em várias partes do mundo, tornadas mais interessantes por seus dotes de poliglota, os seus encontros significativos com alguns dos intelectuais mais interessantes da época, de Maritain a Guardini, de Fromm a Foucault, Peter Berger, Paolo Prodi, bem como René Voillaume, iniciador dos Piccoli Fratelli di Gesù [Pequenos Irmãos de Jesus]. Mas, também pelo fato de ter sido sacerdote, e de tê-lo permanecido, no fundo, até o fim da vida, apesar de ter renunciado ao estado sacerdotal depois de ter sido submetido a uma investigação do Santo Ofício.
Demonstra-o a apaixonada contraposição da fides à religio, da fé à religião, que constitui o sentido profundo da entrevista. Uma contraposição inspirada pela força revolucionária da mensagem de Cristo que ele acolheu sem mediações, como antes dele o fizeram hereges e santos: risco existencial contra seguranças assistidas, gesto de amor pessoal e imprevisível contra as agências organizadas de assistência, anárquica renúncia contra a obrigação de satisfazer os ‘é preciso’. Mas, diversamente de tantos hereges, Illich jamais procurou reunir em torno de si uma Igreja alternativa, mas somente um grupo de intelectuais com os quais, em serena amizade, pudesse discutir. Sua força esteve nos livros corajosos que fizeram refletir as elites intelectuais de todo o mundo. Sua função, em confronto com a Igreja, que continuou a olhar com respeito, tem sido de estímulo vivificador, de olhar crítico que impele a uma constante verificação de sua função e de sua ação. Seu pensamento se desdobra sempre sobre o fio de um confronto histórico e comparativista, de modo a dessacralizar os lugares comuns nos quais estamos imersos, para assim obter a liberdade de juízo.
A novidade dos Evangelhos é, para ele, a capacidade de voltar-se para o outro de modo espontâneo, não premeditado e disponível para deixar-se surpreender, como o fez o samaritano ante o judeu ferido, na parábola evangélica: “Algo de que Jesus nos falou como de um modelo de minha liberdade pessoal de escolher quem será o outro para mim, foi transformado no uso do poder e do dinheiro com o fim de oferecer um serviço”. A transformação desta teoria revolucionária num sistema jurídico por parte da Igreja, segundo Illich, formou os pressupostos que teriam criado a sociedade moderna.
Nesta entrevista Illich repete, portanto, uma por uma todas as críticas à modernidade que elaborou no decurso do tempo, reconectando-as ao princípio-base segundo o qual ele a mensurou, ou seja, segundo as palavras de Cristo. Ou seja, ele considera o mundo moderno como fruto de uma traição de seu antecedente cristão e está, portanto, convencido que somente através de um estudo atento do passado se possa chegar a colher quão estranha e desafinada seja nossa sociedade contemporânea. Assim, as mudanças no modo de se aproximar da imagem, não mais um limiar para o outro mundo – como havia sustentado em Nicéia João Damasceno – mas um expediente didático até se chegar ao mundo virtual de hoje, no qual a imagem, no seu ser sem tempo e sem espaço, se nos apresenta como uma espécie de eternidade falsificada.
Algo que, segundo Illich, “jamais teria podido existir sem o original cristão”.
Mas, o seu pensamento não é algo negativo e nostálgico do passado: Illich está, de fato, convencido de que a perda de credibilidade das instituições modernas nos coloque diante do cristianismo como jamais ocorrera antes de agora, precisamente porque hoje vivemos numa era apocalíptica e, por conseguinte, de revelação.

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