O que Deus faz em uma cruz?

Publicamos aqui a reflexão sobre a Páscoa, escrita pelo sacerdote e teólogo espanhol José Antonio Pagola, em artigo para o sítio Religión Digital, 21-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Segundo o relato evangélico, os que passavam diante de Jesus crucificado sobre a colina do Gólgota zombavam dele e, rindo-se de sua impotência, lhe diziam: “Se tu és Filho de Deus, desce da cruz”. Jesus não responde à provocação. Sua resposta é um silêncio carregado de mistério. Precisamente porque é Filho de Deus, ele permanecerá na cruz até a sua morte.
As perguntas são inevitáveis: como é possível crer em um Deus crucificado pelos homens? Damo-nos conta do que estamos dizendo? O que Deus faz em uma cruz? Como pode subsistir uma religião fundada em uma concepção tão absurda de Deus?
Um “Deus crucificado” constitui uma revolução e um escândalo que nos obriga a questionar todas as ideias que nós, humanos, fazemos de um Deus ao qual supostamente conhecemos. O Crucificado não tem o rosto nem os traços que as religiões atribuem ao Ser Supremo.
O “Deus crucificado” não é um ser onipotente e majestoso, imutável e feliz, alheio ao sofrimento dos humanos, mas sim um Deus impotente e humilhado que sofre conosco a dor, a angústia e até a própria morte. Com a Cruz, ou a nossa fé em Deus acaba, ou nos abrimos a uma compreensão nova e surpreendente de um Deus que, encarnado em nosso sofrimento, nos ama de maneira incrível.
Diante do Crucificado, começamos a intuir que Deus, em seu último mistério, é alguém que sofre conosco. Nossa miséria lhe afeta. Nosso sofrimento lhe atinge. Não existe um Deus cuja vida transcorre, por assim dizer, à margem das nossas penas, lágrimas e desgraças. Ele está em todos os Calvários do nosso mundo.
Esse “Deus crucificado” não permite uma fé frívola e egoísta em um Deus onipotente a serviço de nossos caprichos e pretensões. Esse Deus nos põe a olhar o sofrimento, o abandono e o desamparo de tantas vítimas da injustiça e das desgraças. Com esse Deus nos encontramos quando nos aproximamos do sofrimento de qualquer crucificado.
Nós, cristãos, continuamos fazendo todo tipo de rodeios para não nos toparmos com o “Deus crucificado”. Aprendemos, inclusive, a levantar o nosso olhar à Cruz do Senhor, desviando-o dos crucificados que estão diante dos nossos olhos. No entanto, a maneira mais autêntica de celebrar a Páscoa do Senhor é reavivar a nossa compaixão. Sem isso, a nossa fé no “Deus crucificado” se dilui, e se abre a porta de todo tipo de manipulações. Que o nosso beijo no Crucificado nos ponha sempre a olhar aqueles que, perto ou longe de nós, vivem sofrendo.

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