É o ateísmo uma religião?
Um dias destes atrás enquanto curtia um final de semana prolongado pela Zona da Mata e Vale do Piranga em Minas Gerais; minha amada terrinha. Um amigo de confissão ateísta e eu tivemos uma pequena conversa; a minha colocação foi a de que o ateísmo embora seja uma negação de uma realidade transcendente é uma posição em si religiosa. É claro o mesmo retrucou afirmando que o ateísmo não é uma confissão religiosa.
Estas foram algumas de minhas colocações no Facebook:
“A partir do momento que faço alguma afirmação acerca de deus ou deuses, estas afirmações são religiosas. E que o engajamento ateu é tão religioso quanto em qualquer outra religião, a diferença é só de conteúdo.
O humanismo é uma devoção do homem pelo homem e que, a partir da assertiva de que não existem deuses, se constrói o corpo dogmático do ateísmo, a não existência de deus é um dogma.”
Ele de sua parte preocupou-se em definir primeiramente o que é religião para depois tentar uma saída estratégica, tirar o ateísmo desta Weltanschauung (religiosa).
Com o intuito de retirar o ateísmo desta posição, posição “amaldiçoada” e non grata, usou como ponto de partida a definição do termo religião, partindo em si de sua etimologia. Foi uma tentativa louvável. Porém a condição existencial do ateísmo é bem mais complicada do que isto. Ele poderia por exemplo usar outros campos do saber e partir de outras perspectivas na tentativa de livrar o ateísmo desta incômoda posição. Poderia por exemplo fazer uma analise sociológica, antropológica, existencial etc. Preferiu partir da análise do termo “religare”, segue abaixo a colocação:
Etimologicamente, a palavra “religião” é derivada do latim religio, mas a origem e a relação da palavra religio com outras palavras não está bem explicada. Uma possibilidade é a derivação da duplicata re-ligare, interpretação atribuída a Cícero, uma ligação entre re (novamente) + lego (no sentido de “escolher”, “passar por cima de novo” ou “considerar cuidadosamente”).
Estudiosos modernos como Tom Harpur e Joseph Campbell são favoráveis a derivação de ligare (“ligar”), provavelmente a partir de um prefixo re-ligare, ou seja, re (novamente) + ligare (“reconectar” ou “religar”).
Tentativa louvável, porém se o que ipisis literis é o que define religião é uma religação existencial com relação ao transcendente, a posição teísta é uma posição religiosa já que é a recusa desta ligação, segundo a definição dada acima a religião é “considerar cuidadosamente” ops suicídio “epistêmico” já que para muitos ateus a posição ou weltanschauung religiosa de mundo é acrítica e irracional. O dizer não ao “re-ligare” é um situar-se diante do mundo racionalmente? A resposta é não, ambas tomam uma posição diante do transcendente. O que por si só se constitui uma tautologia, sou religioso porquê creio em uma realidade transcende; mas não sou religioso porque não creio nesta mesma realidade? A resposta negativa do ateísmo é uma posição religiosa. As atitudes filosóficas diante do transcendente vai do fascínio à negação peremptória da mesma (Positivismo lógico).
Não pretendo aqui voltar as análises de Kant acerca dos argumentos transcendentais. O que Kant o fez, e fez muito bem, foi o de demostrar os limites da razão natural (pura); com isto ele não jogou os argumentos na lata de lixo como uma posição irracional; porém demonstrou que são argumentos que se encontram nas fronteiras da razão; sendo assim a tomada de posição atéia como teísta não são irracionais, mas transracionais, ou a-racional, além dos limites da razão pura. Por outro lado temos que ir além de Kant; porém aqui não é o espaçoa adequado para tal, e tanto outros filosófos já o fizeram muito bem, Kant não é a fronteira do pensamento e podemos e devemos procurar irms além de Kant.
Partindo de um outro pressuposto a análise feita pelo meu amigo, foi uma análise perspectivista. Como um ateu enxerga a tomada de posição diante da “realidade” que nos transcende.
Wittgenstein o “pai” da filosofia analítica já nos dizia que “os limites do meu mundo, são os limites da minha linguagem”, vejamos abaixo uma figura um pouco mais elaborada da que usada por Wittgenstein,
para exemplificar o perspectivismo linguístico como uma epistemologia válida:
Dependendo da perspectiva podemos enxergar duas figuras distintas, um coelho: Olhando da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda a figura de um ganso. Parece uma análise simplista; para se ter uma idéia plena do perspectiva de Wittgenstein indico a leitura de seu obra magna “investigações filosóficas”.
Voltando a definição que meu amigo deu às religiões, vejo como a construção de um boneco de palha, depois é fácil destruí-lo. Analisar o fenômeno religioso depende da análise de vários campos do saber; analisá-lo epistemologicamente “empiricamente útil e testável” é uma contradição de termos, onde estão os critérios da falseabilidade das ciências sociais para o transcendental?
O que elas fazem são interpretações e como tal não existe uma epistemologia exegética; elas carregam consigo uma série de pré suposições, espaço pequeno para analisar aqui.
O moderno ateísmo só não tem um livro sagrado devido ao fato da humanidade ter passado da idade de eleição dos mesmos. A literatura de Dawkins, Dennet, Harris, Hitchens; os quatro cavaleiros do apocalipse produzem ano a ano uma série de auto-ajuda atéia. A anunciação das “boas novas” por eles tem um zelo evangelístico que deixa até Billy Graham de cabelo em pé. Os ateus não têm também os seus ritos religiosos por ser uma Weltanschauung pós-moderna chique e perfumada além do bem e do mal da religião.
Já se foi o tempo em que o ateísmo propunha obras de peso, Nietzsche (que tenho lá minhas dúvidas de situá-lo como um ateu) Feuerbach etc . Os de hoje não propõe nada de novo, mas simples repetições já desgastadas pelo relativismo pós-moderno, desgastadas digo por ambos os lados.
O ateísmo É sim uma tomada de posição religiosa de mundo, sendo que as mesmas ciências que eles usam para descartar as religiões são em si agnósticas quanto a uma realidade transcendental e querem a todo custo transformá-las em “ferramentas atéias”, sendo neutras neste campo. Foge a seu escopo e os seus critérios investigativos. A tomada de posição diante do mundo e diante dos deuses ou deus podem ser existenciais, de fé, pré-suposicionalista, mas nunca evidencialista e falsificacionista (em critérios popperianos). Não correndo o risco aqui de ser um fideísta, sou sou apenas cético com relação ao alcance destas ciências. O teísmo é uma tomada de posição diante da realidade, se não podemos ter certeza nem quanto ao nosso mundo subatômico? Brilhantemente demostrado por Heisenberg, quiçá as outras faces do conhecer. Ao meu ver o teísmo especialmente o cristão tem respostas relevantes e necessárias ao mundo atual. Sei que na cabeça de muitos algumas considerações exegéticas dos textos sagrados judeu-cristão são ridículas, a estas bastam situarem cada texto em seu contexto histórico e vivencial (seu sitz im leben) indo além das análises anacrônicas e infantis do jogo Control+C; Control+V.
Toda literatura tem:
“A correta compreensão da “crítica” da forma repousa sobre o entendimento de que a literatura que surgiu da vida de determinada comunidade, até mesmo a comunidade cristã primitiva, emerge de condições e necessidades existenciais bem definidas, a partir das quais se desenvolvem um estilo bem definido e formas e categorias bem específica” Assim, toda categoria literária tem sua ‘situação vivencial’” Bultmann, Synoptic tradition, pg. 4 – citando aqui Bultmans em uma possível consideração exegética.
Somente uma leitura fundamentalista pode tirar estas conclusões dos textos, pelo visto é uma mancha no smoking barato tanto de anti-teístas e de teístas.
O texto acima tem várias implicações que vão além deste espaço, só tentei demonstrar que muito embora o ateísmo como ideologia não tenha um corpus sagrado como as demais religiões é uma tomada de posição frente ao sagrado o que já o insere assim como “religião” ou posição perante a recusa do “re-ligare”.
Será que me aceitam como membro de sua liga? Sou cético com relação a uma série de certezas que eles têm !!!
Sola Gratia
Belo Horizonte- 21/08/2011
uma manhã de inverno…
Willian E. Pereira
George
Adorei seu texto!
billybh
Valeu George.
Obrigado e apareça mais vezes… 😀
Diego
Muito bom o texto, embora os ateus neguem.
billybh
Caro Diego,
Embora a turma do neo-ateísmo negue o fato. Ele não deixa de ser o que é fato.
Neste caso eu prefiro contrariar Nietzsche; o mesmo dizia não haver fatos, mas somente interpretações. Há fatos e há interpretações.
Noam Chomsky e outros pensadores apoiam o cerne do texto, vide por exemplo a “rebolada” hermenêutica de Alain de Botton.
Abraços,
Willian Pereira