Provocações!


O que é ser cristão?
Uma pergunta que atravessa  séculos, dois mil anos de perguntas; como têm respostas tão variadas fica difícil distinguir o que há de manifestação do “evangelho” nelas.
Enxergamos as interpretações e esquecemos-nos das ‘palavras’, damos a elas uma status de verdade absoluta como se a interpretação fosse uma voz unificante e única do texto.
Já dizia Nietzsche; que o último cristão morreu na cruz. Palavra de alguém que tinha uma profunda admiração por Jesus e um desprezo até as últimas consequências pela “cristandade”; especialmente o de orientação luterana/platônico (dualista via Plotino) da Alemanha (Europa, do século XIX). Nietzsche neste ponto erra no atacado, mas acerta no varejo. Faz uma leitura de Paulo através das lentes criticas dos iluministas (visão a qual atacou devastadoramente). Justamente a quem Nietzsche tanto criticava, deles herdava a herança critica  em relação ao NT. Muito embora em  vários momentos critique veementemente Ernst Renan, e a então nascente teologia liberal, um grande amigo de Nietzsche era um critico desta corrente teológica, a saber, Franz Overbek (teólogo e agnóstico convicto) .
Nietzsche deixa transparecer no seu “Anticristo” o seu profundo desprezo por aquilo que o cristianismo havia se transformado. Uma fé enclausurada por um dogmatismo de orientação platônica, na verdade uma leitura platonizante de Paulo. Não querendo desmerecer aqui a filosofia de Platão, mas uma apropriação indébita desta por parte da cristandade. Nem pretendo dizer que uma leitura por lentes platônicas não seja possível e nem precisa, é um viés para a leitura dos documentos bíblicos, no entanto não a única, o grande exercício é no final não deixar que o discurso platônico venha ditar as regras hermenêuticas.
O grande erro (platonismo-cristão Sic) foi de fazer uma leitura dualista do novo testamento (sobreposição de uma visão sob outra), quase como se a criação fosse resultado do trabalho de dois deuses. Um mundo de cá, destituído de graça; por um mundo de lá rodeados de fantasias angelicais.
Sonhamos com os “céus” enquanto Deus sonha com uma terra, um mundo, uma oikós em que a face do outro se faça presente diante da minha. Um momento de enxergar na face do outro a face do Cristo, quando enxergo Jesus no outro entendo o que significa ser cristão. É esta uma chave para se entender um dos maiores dos discursos de Jesus, a saber o sermão do monte, a manifestação da fé diante da alteridade. Neste discurso o outro sempre aparece, sempre dá apresenta sua face.
O mito da queda serve para me fazer ver que tenho uma trave em meus olhos, a partir do momento que substituo esta trave pelo madeiro começo entender o real significado da fé e da Graça na alteridade.
Dizem por ai que Nietzsche não tem Graça (com G maículo). Realmente Nietzsche não tem Graça, assim como eu, você, Agostinho, Lutero, Calvino dentre tantos outros (tenho até vergonha de me incluir entre eles). Nietzsche não tem Graça; a Graça se derrama do madeiro, a Graça vem de UM.
Talvez a grande rejeição ao pensamento nietzschiano pelos evangélicos é por que ele deixa patente:
“A cristandade está nua”, assim como o primeiro casal aspirante a serem como os Deuses (mito da criação judaico-cristão); conhecedores do bem e do mal. Enquanto deveríamos e ir “Além do bem e do mal”.
O pensador de Wiemar tinha uma admiração profunda pela literatura de Dostoiévski, chegando a fazer um trocadilho em seu “Anticristo”: Jesus e o idiota (romance do literato russo, que traz uma rica teologia nas suas entrelinhas). Outro grande pensador que mexia com Nietzsche era Tolstoi – “Minha religião”. A partir da teologia leiga destes dois gigantes da literatura mundial somos capazes de lançar algumas luzes hermenêuticas na “teologia” da negação de Nietzsche. Sim basta ler as criticas de Nietzsche pelas avessas que teremos uma bela contribuição para entender o que é ser cristão. Um homem apaixonado por esta terra, mas que despreza este “mundo” e por isso mesmo luta para ser “sal” e “luz”. Somos como uma ponte estendida sob um abismo (Zaratustra), estendida entre o tempo e a eternidade, uma ponte onde a eternidade adentra no tempo trazendo a presença do reino vindouro, juntamente com o reino o mais importante o Rei. Aquela “utopia” que se mostra no horizonte da fé, não uma utopia inantigível mas aquela que ainda não tem lugar.
O céu, o estado intermediário é uma das fantasias platônicas que adentraram para dentro da fé e aos poucos se tornou uma ortodoxia, e hoje nos focamos tanto nas interpretações que damos a elas o status epistêmico de verdade, criando como que um terceiro testamento. Vale aqui mais uma vez trazer a lume o pensamento de Nietzsche; “não há fatos, somente interpretações”, guardadas as devidas proporções vale trazer para frente do palco a sua critica a toda pretensão hegemônica, seja ela vinda da filosofia, da ciência ou da teologia, para Nietzsche a grande opção era pelo homem, por um novo homem, por um além-homem. Nietzsche era por excelência um destruidor de ídolos, tudo que passasse por suas marteladas e emitissem como resposta o eco, denotava ser oco e desprovido de sentido. Em torno da fato existem vários olhares.
Diferente de Feuerbach o projeto de Nietzsche não é o de uma teologia humanizada, mas de um homem humanizado, a verdadeira humanidade se revela no crucificado (visão do autor do texto). O filosofo de Weimar em seu ir e vir entre a loucura e a lucidez assinava em suas cartas; “o crucificado”, não seria o além-homem de Zaratrustra o Cristo de faces “humanas demasiada humanas” dos quatro evangelhos? Ser pobre, manso, humilde, chorar, ter fome e sede, misericordioso, limpo de coração, pacificador, justo, não é ser humano em toda sua integridade? Faz-me lembrar de uma frase de Leonardo Boff que cito aqui livremente; “Jesus era tão humano, mas tão humano que só poderia mesmo ser Deus”. Todas estas manifestações (Sermão do monte) não nos remetem a um projetar-se. Nietzsche entendia estas características como demosntradas na cristandade uma deturpação do ser humano, um enclausuramento do vir a ser.
Cur Deus homo (Porque Deus se tornou homem)? Perguntou Santo Anselmo e deveria ser esta a pergunta a fazer nestes dias, e quem sabe encontramos a resposta do que é ser cristão!
Só pode viver de uma esperança utópica quem enxerga o fim desde o começo!
Deixo estas provocações…
Tito 2,13 “enquanto aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo.”
Willian Pereira
Salvar

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One Comment

  1. REGINA PEREIRA

    GOSTEI MUITO DO QUE COLOCADO…A RESPEITO DO QUE É SER CRISTÃO! fOI BASTANTE ESCLARECEDOR!!

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