As tendências problemáticas do “Avivamento Calvinista dos Estados Unidos” Por Jonathan Merritt | 20 de maio de 2014
Mark Oppenheimer estava, em parte, com a razão, quando disse, no New York Times, no início de 2014, que “o evangelicalismo está passando por um avivamento calvinista”.
Segundo pesquisa de 2010 do Grupo Barna, cerca de 3 em cada 10 líderes protestantes descrevem suas igrejas como “calvinista ou reformada”, uma proporção estatisticamente inalterada em relação a uma década antes. De acordo com o mesmo grupo de pesquisas, “não existe evidência constatável, a partir desta pesquisa, de que haja uma guinada na direção reformada entre os líderes eclesiásticos dos EUA de dez anos pra cá”.
Ainda assim, Oppenheimer tem razão ao dizer que algo está acontecendo entre os calvinistas daquele país (aqueles que são adeptos de um sistema teológico centrado na pecaminosidade humana e na soberania de Deus, com origem no reformador João Calvino, do século XVI). Ainda que os protestantes calvinistas —entre eles os presbiterianos, alguns batistas, e a Igreja Reformada Holandesa — tenham, desde o início, sido parte do tecido religioso dos Estados Unidos, Oppenheimer faz menção de um esforço mais visível e articulado que tem aparecido em anos recentes.
Estes têm sido chamados de “jovens, incansáveis e reformados” ou neocalvinistas, e são bastante articulados e exercem cada vez mais influência. Seus livros vendem bem no mercado (caso de John Piper ou Paul David Tripp), seus líderes apimentam as listas dos blogueiros cristãos mais populares (caso de “The Gospel Coalition” e “Resurgence”), e têm criado centros dinâmicos de treinamento para treinar seus novos recrutados (caso do “Reformed Theological Seminary”, do “Westminster Theological Seminary” e do “The Southern Baptist Theological Seminary”).
É com esse ramo dos calvinistas que estamos lidando. Mas, como ocorre com qualquer outro movimento, o avivamento calvinista americano é um balaio de gatos. Não se pode negar que muitos abraçaram a fé graças a essas igrejas e esses líderes. O movimento é rigorosamente teológico, o que, sem dúvida, é uma das suas maiores contribuições. Assim como os quakers têm muito a nos ensinar sobre o silêncio, os menonitas sobre pacificação, e os anglicanos sobre liturgia, da mesma forma os calvinistas nos encorajam com seu rigor intelectual.
Ainda assim, do meu ponto de vista, há várias tendências problemáticas que devem ser abordadas caso esse grupo fiel queira deixar de ser um nicho cristão para se tornar um movimento sustentável do mainstream.
ISOLACIONISMO
Umas das características marcantes do movimento neocalvinista é o isolacionismo. Meus amigos reformados são leitores vorazes de blogs e livros calvinistas, frequentam congressos calvinistas, e congregam em igrejas calvinistas com pregadores calvinistas. Raramente eles aprendem dos que não são da sua tradição, ou se envolvem com eles. Meu sentimento é que essa tendência predomina menos entre os líderes que entre a média dos liderados.
Os movimentos religiosos mais sustentáveis, entretanto, são aqueles dispostos a fazer as perguntas mais difíceis e completas e interagir com outras tradições, não só com a caricatura delas. Quando os neocalvinistas se isolam e se blindam, exageram a ênfase naquelas doutrinas da sua tradição e relegam outros aspectos ao segundo plano. A fé crista é para ser vivida e não somente apropriada intelectualmente. Para isso, é preciso se misturar com outros seguidores de Jesus, que são igualmente firmados nas Escrituras e que também trabalham para restaurar a criação.
Gregory Thornbury, calvinista e presidente do King’s College na cidade de Nova Iorque, me falou, “acredito que os ‘jovens, incansáveis e reformados’ sejam diferentes do ramo holandês no sentido de se prenderem aos autores e líderes que já conhecem. Corre-se de fato o risco de ser provinciano, mas não creio que seja intencional. Há universos nos quais as pessoas se fixam, e lá elas leem as coisas que já conhecem.”
Como forma de se proteger contra isso, Thornbury diz que incentiva os alunos do King’s College a serem “intelectualmente sociáveis” e a “lerem promiscuamente.”
“As pessoas precisam ler fora da sua tradição”, diz Thornbury. “Dizemos que queremos ter contato com as pessoas de fora da nossa cultura, mas na prática é fácil formar guetos.”
Suas palavras me lembram Miroslav Volf, teólogo de Yale, que fala de expressões “amplas” e “estreitas” da religião:
“[A religião estreita é] a religiosidade reduzida a um único gesto simbólico. E, uma vez que se reduz a religião a isso… pode-se projetar o que se quiser sobre ela… [A religião estreita] não é encorpada. Não tem profundidade. Não tem relevo. Não conta com a longa história daquela religião com todas as variedades de reflexões que se dão na religião.”
A convivência com outros cristãos guarda um movimento contra as expressões “estreitas” de religião.
TRIBALISMO
Outra tendência problemática que vejo no movimento é o tribalismo. Trata-se da tendência de afinidade dentro de um grupo de proteger os de dentro e combater os de fora.
Vários calvinistas de renome, por exemplo, se recusaram a comentar essa história por medo de suas palavras serem usadas para desmerecer o movimento. Como disse um líder bem conhecido por email, “não quero fazer o papel de tijolo no muro usado contra a tradição/movimento com o qual me identifico.”
Verdade seja dita, os neocalvinistas não fogem das polêmicas e não se furtam a criticar os de fora do movimento. (Um exemplo seriam as reações ácidas de alguns calvinistas à declaração de Donald Miller, quando este disse que não frequenta nenhuma igreja.) No entanto, esses mesmos líderes são bem resistentes, refratários e moderados nas suas críticas a outros calvinistas que saem da linha.
Um exemplo claro isso seria a recente avalanche de controvérsias envolvendo o nome de Mark Driscoll — de comentários machistas a acusações de plágio, passando pelo escândalo de compra do seu nome na lista dos bestsellers do New York Times utilizando recursos do ministério. Os líderes dentro do movimento ficaram calados, até que alguns, bem depois, quebraram o silêncio. As primeiras acusações de plágio contra Driscoll saíram em 21 de novembro, mas a primeira reação verdadeiramente crítica postada no mega-blog neocalvinista “The Gospel Coalition” só se deu em 18 de dezembro. Basta comparar com a reação ao livro “O Amor Vence”, de Rob Bell, que saiu antes mesmo do trailer no YouTube.
Mesmo os que tiveram coragem de criticar Driscoll foram, em sua maioria, comedidos. E vários calvinistas me disseram, em “off”, que muitos que não pouparam críticas a Driscoll — caso de Carl Trueman, do Westminster Theological Seminary — foram por isso relegados à margem.
Tullian Tchividjian é pastor e blogueiro do “The Gospel Coalition”, e tem desafiado os neocalvinistas de dentro dos seus flancos. Hoje mesmo ele declarou que o que chama de “poderes estabelecidos” o estavam obrigando a levar seu blog para outro lugar. A decisão não foi a ideal, disse ele, e se deve a “algumas diferenças com alguns outros blogueiros.” Tchividjian disse que a decisão foi “provavelmente tardia”, já que “a mensagem do Gospel Coalition tem se desfigurado nos últimos sete anos.”
Também poderia falar de Tim Keller, um modelo de neocalvinista, se é que existe um. Keller faz parte do BioLogos, de Francis Collins, e é evolucionista teísta. Ele tem, em boa parte, as mesmas opiniões que levaram à renúncia forçada do professor de Antigo Testamento Bruce Waltke do Reformed Theological Seminary. Outro líder calvinista, Albert Mohler, presidente do Southern Baptist Seminary, chamou o evolucionismo teísta de “desastre bíblico e teológico” e disse que os líderes do BioLogos estavam “atropelando a Bíblia” com uma lógica “ridícula”.
Mas como Tim Keller se tornou queridinho dos calvinistas — a New York Magazine o chamou de “o evangelista cristão mais bem-sucedido da cidade” — você, provavelmente, não vai ouvir outros neocalvinistas falar contra as crenças de Keller. O tribalismo tenta sempre “limpar a casa” quando é com os de fora, mas “varrer pra debaixo do tapete” quando o assunto é com os de dentro.
Como me disse Roger Olson, professor da Baylor University e autor de “Against Calvinism” (Contra o Calvinismo), “[os neocalvinistas são] uma tribo, e estão totalmente unidos. De alguma forma, formaram a mentalidade de que têm que apoiar uns aos outros por serem minoria em uma cruzada. Qualquer crítica prejudica a causa. Já vi o mesmo ocorrer entre as feministas e defensores da teologia negra.”
Olson diz que, quando fala com líderes calvinistas, eles não raramente criticam o movimento e seus outros líderes em particular, mas jamais em público. Minha experiência tem sido idêntica.
“Existe um ethos fundamentalista no [neocalvinismo]”, segundo Olson. “Você ganha todo tipo de elogio quando critica os de fora, mas jamais quando faz o mesmo com os de dentro. Existe um sistema no qual, se você é jovem e recém-chegado às fileiras, ganha pontos por criticar ou expor os de fora do movimento, mas não é da sua conta criticar os que estão acima de você dentro do movimento.”
Esta tendência é mais curiosa ainda, considerando que os neocalvinistas afirmam adotar o antigo lema “Ecclesia reformata, semper reformanda” ou “a igreja deve ser sempre reformada”. Você não consegue manter um estado constante de reforma quando se recusa a fazer a auto-reflexão, quando preserva só por preservar, ou seu modus operandi é “fechar o círculo e atirar pra fora”.
Para deixar claro: não estou dizendo que os calvinistas deveriam criticar uns aos outros mais severamente. Pelo contrário, eu queria que eles tivessem a mesma graça para com os de for a que têm para com os de dentro.
EGOCENTRISMO
Uma última tendência problemática que eu acho que compromete o “avivamento calvinista” é o egocentrismo. De cara isso pode parecer ad hominem, mas eu me refiro mais ao tom predominante no movimento. Falar tanto de soberania e salvação e expiação pode inflar o ego. É o tipo de coisa descrita no livro “Recomendações aos jovens teólogos e pastores”, de Helmut Thielicke. Acumular conhecimento teológico leva, muitas vezes, a pensar que se está em melhores condições de entender a Deus ou em maior sintonia com Ele.
Ao inflar o ego, o corpo se levanta e a pessoa começa a falar de cima pra baixo, e não par a par. Isto se vê, muitas vezes, na forma como os neocalvinistas falam, como se fossem árbitros do termo “evangelho”. Dê uma busca pelo termo “gospel” (evangelho) no site da editora reformada Crossway, e você vai entender do que estou falando. Ou então preste atenção à forma como alguns líderes neocalvinistas analisam cada questão ética na pauta do dia, não como uma diferença de opinião entre cristãos buscando juntos a verdade, mas como uma afronta ao próprio evangelho.
“A perspectiva de muitos hoje é que, se você não for calvinista, você não entendeu completamente o evangelho”, diz Olson.
Às vezes parece que os calvinistas se veem como juízes, jurados e meirinhos do movimento cristão como um todo — determinando quem é fiel e quem não é, quem crê no evangelho e quem não crê, quem está dentro e quem está fora. (Um exemplo emblemático que vem à mente é a tuitada “Adeus, Rob Bell”, de John Piper). Alguns de dentro do movimento falam da soberania de Deus e ao mesmo tempo buscam controlar o destino de outros cristãos e não raro falam da depravação do homem com uma arrogância que a desmerece.
Como me disse Scot McKnight, professor do Northern Seminary, “os calvinistas podem dar a forte impressão de que os que deles discordam são infiéis e sem coragem intelectual e teológica. E essa tendência é relativamente nova”.
Um ego inchado quase sempre precede um tom áspero — um limitador infalível de influência. Scholar Martin Marty diz que o mundo religioso não está dividido em liberal e conservador, mas entre “cruel e não-cruel.” Os que optam por um tom cruel ou arrogante — seja real ou aparente — acabam tendo vida curta nas prateleiras da História.
Bethany Jenkins, diretora da iniciativa “fé e obras” do Gospel Coalition, acha que o problema com o tom de alguns de seus colegas calvinistas pode não ser intencional: “Acho até que alguns calvinistas pensam que, para ser fiel, precisa ser estridente, mas não é assim. Como disse Tim Keller, ‘Somos um povo escolhido, não escolhido a dedo’”.
Faço uma reflexão sobre a observação do Apóstolo Paulo de que “o saber ensoberbece”. Em outras palavras, o egocentrismo é um problema humano, não só calvinista. Entretanto, esse problema parece afligir esse movimento com frequência. Se os neocalvinistas não tomarem logo uma dose de humildade — e bem rápido — as percepções de egocentrismo serão como uma assombração que não vai embora.
Embora esses problemas sejam sérios, sou favorável a qualquer movimento que exalte Jesus e proclame as boas novas de Cristo. Tenho muitos amigos dentro do movimento neocalvinista que me encorajam pelo seu compromisso com a fidelidade às Escrituras e com a supremacia de Cristo. Se o “avivamento calvinista” dos Estados Unidos for um ressurgimento, espero que abundem em graça — tanto dentro como fora.
Ah, sim, graça. Outra virtude aclamada pelos reformados.
Fonte: http://religionnews.com/2014/05/20/troubling-trends-americas-calvinist-revival/
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