A teologia dos anos 1970. Jürgen Moltmann, Leonardo Boff e Bernard Lonergan. Artigo de Gianfranco Ravasi

Três ensaios dos teólogos Jürgen MoltmannLeonardo Boff e Bernard Lonergan referenciados por Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 30-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Busca por Deus. Repropomos três ensaios de MoltmannBoff e Lonergan que ainda conservam sua atualidade meio século após a primeira publicação.

Por séculos a teologia foi a rainha das disciplinas e se entrelaçou vigorosamente com a filosofia e a própria arte, com resultados fecundos, mas também desviantes. Mesmo aqueles que pouco ou nada sabem sobre a história do pensamento ocidental guardam em um canto da memória, por exemplo, o nome de Tomás de Aquino, pensador de valor absoluto em teologiafilosofiaética e estética (a tese do doutorado de Umberto Eco o atesta justamente neste último aspecto).

Mesmo o século passado, embora registrasse o fenômeno cada vez mais agressivo da secularização, viu desfilar personalidades teológicas de alto nível em diálogo com a cultura secular: basta pensar em BarthBultmannBonhoefferDaniélouDe LubacGuardinivon BalthasarRahnerCongar, até chegar ao próprio Ratzinger Moltmann. Mencionamos este último, quase como um patriarca (nascido em 1926), para convocar uma tríade de personagens para os leitores que desejam desbravar esse território de pesquisa, que lastimavelmente não é muito luxuriante em nossos dias, ao contrário do século XX.

A ocasião para montar este tríptico é extrínseca, pois se prende a um aniversário. Em 1972, de fato, chegavam às livrarias três ensaios teológicos que ainda conservam sua atualidade depois de meio século. Comecemos pelo teólogo de Hamburgo, Jürgen Moltmann, professor em várias universidades alemãs, até sua ascensão à cátedra da prestigiosa Tübingen em 1967.

Sua Teologia da Esperança (1964; Queriniana, 1970) foi famosa, em evidente contraponto ao Princípio da Esperança de Ernst Bloch, mas também em contraponto com os principais teólogos alemães da época, de Schweitzer Barth, de Bultmann a Pannenberg. Como complemento necessário a essa cristologia escatológica, regida justamente pela esperança, em 1972 elaborou O Deus Crucificado (Queriniana, 1973), estimulado também pelo escândalo do Holocausto, capaz de abalar o otimismo da confiança religiosa.

A fonte da esperança é a ressurreição de Cristo que é, porém, um homem crucificado, solidário com a história humana, transitória, trágica, miserável. Vivida por ele, o Filho divino, torna-se a história do próprio Deus. Um Deus “patético”, isto é, dotado de pathos que compartilha realmente e não metaforicamente o sofrimento e as limitações humanas, revelando-se muito diferente do gélido e imperial motor imóvel aristotélico.

Sugestiva, neste sentido, é a fusão das duas faces, transcendente e imanente, que Dante operará em seu Credo pronunciado diante de São Pedro: “Em um só Deus eu creio onipotente, Eterno, que, imutável, os céus movem No desejo e no amor sempre clemente” (Paraíso XXIV, 130-132). Por um lado, a perfeita imobilidade da transcendência divina (“imutável“) que é, no entanto, o motor do universo; pelo outro, eis o “amor e desejo“, qualidades pessoais de comunhão com a humanidade.

Em síntese, para Moltmann, uma cruz sem ressurreição é apenas um sinal de fracasso e Jesus permaneceria no máximo um herói; uma ressurreição sem a cruz seria apenas um milagre, uma epifania abstrata do divino e de nosso futuro.

Essa forte ligação com o presente histórico da cruz nos permite passar ao segundo autor, o brasileiro Leonardo Boff, nascido em 1938, porta-estandarte da teologia da libertação, que há cinquenta anos publicava seu Jesus Cristo libertador (Cittadella, 1973). Cristo entrou na história não para convidar a humanidade a decolar para um reino do céu mítico e místico. Ele veio para construir um mundo novo sólido no terreno frouxo e poluído da nossa história, e o cristão é aquele que, como o seu Senhor, anuncia e constrói concretamente este reino de justiça, liberdade e verdade. Por isso, a ortopraxia é expressão e verificação da ortodoxia.

Neste ponto, apresentamos o terceiro personagem, o jesuíta canadense Bernard Lonergan (1904-1984), considerado pelo card. Martini um de seus mestres ideais e um dos pensadores mais completos e rigorosos. Acrescento meu testemunho pessoal porque fui aluno de Lonergan por dois anos na Universidade Gregoriana de Roma, onde ocupava a cátedra de teologia trinitária.

As aulas (assim como os exames) eram então em latim e o seu, apesar de marcado pelo sotaque inglês, era um latim refinado que marcava uma arquitetura lógica perfeita e exigente. E é justamente nessa linha que se situa o ensaio Il Metodo in Teologia (Queriniana, 1975), de 1972, que, superando a fragmentação, se consagra a desenhar um projeto de radical repensamento da epistemologia teológica, em confronto com a cultura moderna.

É impossível descrever o mapa sistemático, vasto e complexo desse “conhecer a fé”. Como acontecerá com outro de seus ensaios decisivos, Insight, de 1957 (Paoline, 1961), dedicado à “inteligência/intuição” da fé, aquelas páginas assemelhavam-se a uma catedral teológica com oito capelas ideais: a pesquisa, a interpretação, a história, a dialética, o fundamento, a doutrina, a sistemática, a comunicação.

Como selo desta comemoração de cinquentenário, deixamos a palavra para um dos grandes teólogos mencionados no início, o suíço Karl Barth, que assim advertia seus colegas:

“Entre as ciências, a teologia é a única que toca a mente e o coração, enriquecendo-os. Aproxima-se da realidade humana e lança um olhar luminoso sobre a verdade divina… Mas é também a mais difícil e exposta a riscos. Nela é mais fácil cair no desânimo ou, pior, na arrogância. Mais do que qualquer outra ciência, pode tornar-se uma caricatura de si mesma”.

Fonte

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